Dinheiro e Umbanda – Estudo completo
A Umbanda tem por princípio fundamental a gratuidade das suas atividades espirituais. Isto é, todo terreiro de Umbanda precisa receber as pessoas gratuitamente, seja para a realização de uma gira, um curso ou mesmo uma conversa fraterna.
Este princípio foi colocado pelo próprio Caboclo das Sete Encruzilhadas para que a religião atendesse ao fim a que se propôs: ajudar a quem quer que seja, independentemente de quaisquer fatores, principalmente, social.
Num terreiro sério, ricos e pobres sentam-se lado e lado, são recebidos de igual forma e atendidos com o mesmo carinho e respeito pelas entidades.
No entanto, para além do que considero ideal, é preciso reconhecer que, por malabarismos diversos, vários dirigentes de Umbanda procuram burlar esta regra religiosa através das mais diversas justificativas. Vejamos algumas delas:
• O terreiro não cobra gira, mas sugere que o consulente faça um trabalho separado, sempre pago;
• O terreiro cobra entrada (mesmo que um valor modesto) para custear as despesas da casa;
• O terreiro não cobra gira, mas promove cursos pagos, afinal, o tempo do dirigente é valioso;
• O terreiro não cobra gira, mas sempre sugere que se faça um jogo com o dirigente, sempre pago, etc.
O dinheiro é o problema?
Não, o dinheiro não é o problema. A Umbanda não olha para o dinheiro como algo sujo, pecaminoso ou negativo. O dinheiro é simplesmente uma forma de troca, fundamental para a sociedade em que vivemos.
A questão é de princípios:
• Se cobro os atendimentos espirituais, estou lucrando com o trabalho dos espíritos (quem afetivamente atende são os espíritos) e não com o meu trabalho, pois o médium é o agente passivo do processo mediúnico;
• Se cobro, impeço as pessoas mais pobres de frequentar o terreiro, tornando os trabalhos espirituais elitizados;
• Se cobro para difundir um conhecimento, estou cobrando em cima daquilo que me foi ensinado de graça ou, mesmo que eu tenha pagado para aprender, quem me ensinou ou quem ensinou a este, em algum momento, aprendeu com as próprias entidades de graça;
• Se cobro, corro o risco de olhar para o consulente como um cifrão ambulante, empurrando (de forma desnecessária) diversos trabalhos/oferendas, simplesmente, com o propósito de gerar lucro, seja para o dirigente, seja para a casa;
De todas as atividades “comerciais” no meio umbandista a que me parece mais aceita é a venda de cursos. O que não se apercebeu ainda é que estes cursos são quase sempre rasos, sensacionalistas e suavizados para soarem agradáveis aos compradores, o que nem sempre se consegue com o conhecimento espiritual legítimo... Porém, para além de tudo isso, o maior problema é que a venda de cursos de Umbanda se transformou numa indústria rentável que gera milhares de reais através da venda de conteúdos que frequentemente se poderia aprender de graça e com mais qualidade nos próprios terreiros...
13 Quando já estava chegando a Páscoa judaica, Jesus subiu a Jerusalém.
14 No pátio do templo viu alguns vendendo bois, ovelhas e pombas, e outros assentados diante de mesas, trocando dinheiro.
15 Então ele fez um chicote de cordas e expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os bois; espalhou as moedas dos cambistas e virou as suas mesas.
16 Aos que vendiam pombas disse: "Tirem estas coisas daqui! Parem de fazer da casa de meu Pai um mercado!" João 2:13-16.
E fora da religião?
A cobrança por cursos/atendimentos espirituais/holísticos/oraculares fora da religião é algo natural, especialmente, se tais recursos forem utilizados de forma profissional. Este é um ponto que precisa ficar claro: não é a cobrança o problema e, sim, fazê-la dentro de uma religião que, sabidamente, possui como princípio fundamental a gratuidade. Contudo, fora dela, as pessoas são livres para empreender como acharem que devem, segundo suas próprias consciências.
A Umbanda é uma religião, possui um fundamento, uma diretriz e existe por uma razão social, diferentemente de várias técnicas terapêuticas/holísticas que não possuem uma vinculação religiosa necessariamente, portanto, passíveis de serem aplicadas em diversos contextos, inclusive, não-religiosos.
Portanto, se o umbandista for oraculista, terapeuta holístico, teólogo, professor, xamã – enfim – o que quer que seja e empreenda alguma prática profissional que perpasse pelo universo da espiritualidade, porém, o faz fora do ambiente de terreiro e fora da roupagem religiosa da Umbanda, a meu ver, não há qualquer problema. Ainda buscando a citação bíblica anterior, Jesus não foi contra a venda de bois, de aves ou do que quer que seja, ele foi contra vende-los no templo!
O templo de Umbanda é, por natureza, uma casa de caridade. Fora dele, porém, cada um é livre para agir conforme sua consciência, empreendendo as atividades comerciais que achar que deve, especialmente, porque as pessoas são livres para procurar por estes serviços ou não.
Apoio à comunidade
Somos uma religião de minoria e, por isso, devemos nos apoiar. Isto é algo que tenho feito há algum tempo em meus grupos de WhatsApp, recomendando serviços de pessoas que me acompanham, sejam eles de natureza espiritual ou não.
Como minoria, devemos e precisamos nos apoiar porque a ajuda não virá de fora, por isso, não sou contra que se coloque nos terreiros cartazes ou mesmo que se vincule nas redes sociais da casa informações promocionais de serviços/produtos/empresas de membros ou frequentadores, desde que sejam pessoas sabidamente sérias e responsáveis, a fim de que a própria comunidade se ajude.
Então, se um membro da casa possui uma lojinha de roupas, por que não a indicar? É o serviço profissional da pessoa e devemos apoiá-la. Não vamos vender roupa no terreiro, mas se podemos divulgar seu trabalho para nossa comunidade, por que não o fazer?
Mas, se o terreiro não cobra, quem é que paga a conta?
De forma geral, a conta é paga com bingos, rifas, eventos etc. No entanto, eu não gosto de nenhuma destas formas, pois frequentemente sobrecarregam os trabalhadores com serviços extras.
Uma parte significativa dos terreiros sobrevive através de mensalidades dos trabalhadores, o que também não acho justo, uma vez que o trabalhador doa seu tempo, seu corpo, suas energias e ainda precisa colocar dinheiro para que a casa funcione... O que faz com que a Umbanda seja caridade para o consulente e despesa para o trabalhador que, não raro, ainda precisa gastar com os itens de trabalho dos seus guias...
Contudo, entendo que, principalmente no início, talvez seja necessário recorrer às mensalidades...
O que proponho, no entanto, é uma alternativa simples e funcional: a colaboração voluntária!
Embora os terreiros de Umbanda sejam obrigados, por natureza, a não cobrar por suas atividades, eles precisam, naturalmente, honrar seus gastos: aluguel, água, luz, itens de trabalho etc. Para isso, não é preciso realizar eventos ou cobrar mensalidades, basta trabalhar junto aos próprios consulentes e membros da casa o senso de pertencimento.
Se o consulente sente que pertence à casa, se ele a escolheu como sua casa de fé, então, ele se torna responsável por ela e deve ajudá-la na medida de suas possibilidades. Se todo trabalhador/consulente ajudar com uma pequena quantia, o terreiro consegue se manter sem exigir muito de alguém.
Perceba: não é cobrar, é trabalhar o senso de pertencimento e de mútua ajuda para que a casa possa existir e continuar trabalhando em favor dos consulentes e também da corrente. Simples, não?
Em nosso terreiro, antes de começar as giras, sempre digo que os trabalhos são gratuitos e ressalto a importância das contribuições voluntárias, indicando uma caixinha para doações. Os consulentes que querem e podem, depositam ali sua contribuição, bem como os trabalhadores da casa que não precisam avisar a ninguém, bastando colocar o dinheiro que querem doar ali dentro.
Ainda não chegamos no ponto em que desejo: o momento em que o dinheiro seja suficiente, inclusive, para que os médiuns não precisem comprar os itens de suas entidades, porém, um dia chegaremos lá.
A Umbanda é paz, amor, caridade e gratuidade! O que fugir disso, é conversa para boi dormir, como dizemos aqui em Minas.
Leonardo Montes
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